quarta-feira, 19 de março de 2014

Eu e meu filho não diabético.

 Há algum tempo, venho percebendo o comportamento do meu filho não diabético, baixo rendimento escolar, poucos sorrisos (embora seja da personalidade dele), e relações complicadas, eu resisti muito tempo fazer essa relação com diabetes em nossa família, mas numa sessões de terapia com ele, ficou claro pra mim, meu filho não se sentia igualmente amado, igualmente querido, igualmente cuidado embora eu estivesse com ele em todos os momentos.
Acho que essa relação é muito mais complicada quando se trata de um adolescente, alguém se sentiu sozinho na transição entre a infância e adolescência, alguém que achou que você estava cansada demais para se preocupar com os medos dele, alguém que achou que você tinha preocupações maiores do seus conflitos internos em relação a vida.
O diagnóstico de diabetes já foi traumático o suficiente para toda a família, deixei o Arthur com 12 anos, sozinho, dormindo, para levar o Igor numa consulta corriqueira, como aquelas que voltamos pra casa com uma receita médica e depois de um tempo fica tudo bem, liguei no meio do dia avisando que não voltaria para casa e só voltei mais de uma semana depois...
E quando voltei, estava inserida num novo jeito de viver, tentando aprender a lidar com aquilo tudo, tentava sobreviver emocionalmente e esqueci de deixar espaço para o resto da família. E assim seguimos, resolvendo problemas conforme eles apareciam.
Um estudo com seis famílias de crianças/adolescentes diabéticos, ligadas ao Grupo de Apoio à Criança Diabética e sua Família, do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos- SP, faz considerações importantes:
"Vida girando em torno da doença do filho.
A descoberta que o filho tem diabetes insere-se na história da família como algo que divide a vida em antes e depois; é um evento traumático que envolve medos, incertezas, limitações, preocupações e que nunca será esquecido.
É sempre resgatado porque é como um divisor de águas já que após a descoberta a família se reestrutura para, prioritariamente, atender as necessidades do membro doente. O diabetes torna-se o centro da vida da família. A vida familiar passa a girar em torno dos cuidados ao filho. Os membros da família mudam seus comportamentos voltando-se para um ponto em comum, a criança diabética; tornam-se mais unidos e cooperativos, trabalhando por um mesmo objetivo e deixando o restante das preocupações do cotidiano em segundo plano.
...muda tudo assim, muda tanto que acaba... porque quando você não tem problemas de saúde na família você tem planos materiais, tudo que você faz é planos materiais..., hoje eu não penso em nada do material, nada. Eu penso assim sabe, preciso trocar minha mesa, mas eu não tenho aquela gana assim de eu quero comprar aquela mesa.... Tudo que eu penso financeiramente hoje eu penso pra ele. M4

Esse direcionamento para uma pessoa da família em especial faz com que os outros filhos do casal percebam-se também deixados de lado, sentindo-se por vezes, enciumados e injustiçados.
... aí o irmão fazia assim abria a porta do nosso quarto, se ele estivesse lá fechava e saia, se não estivesse entrava. A gente percebeu que o irmão começou a ficar com muito ciúme. Chamava o irmão de lacraia (risos).
M2.
O tratamento desencadeia desequilíbrio financeiro e também impinge grandes limitações à vida social da família, que principalmente no início, deixa de freqüentar festas, onde o filho ficaria exposto a alimentos que não pode mais ingerir. Os irmãos deixam de freqüentar muitos lugares que gostavam de ir porque o restante da família não pode ir junto. Os pais deixam de sair sozinhos para não deixar o filho sozinho. O filho diabético também é privado de sair sozinho, pois, os pais temem a possibilidade de acontecer uma descompensação a qualquer momento."
Nunes MDR, Dupas G, Ferreira NMLA. Diabetes na infância/adolescência: conhecendo a dinâmica familiar. Rev. Eletr. Enf. [Internet] 2007;9(1):119-30.
http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n1/v9n1a09.htm

Durante a reunião para pais e responsáveis do Acampamento da ADJ, pude ouvir histórias parecidas, irmãos que secretamente desejavam ter diabetes para receber igual atenção, para se sentirem amados... Irmãos que diziam odiar o que tem diabetes... Isso dói, tanto em quem não se sente amado quanto em nós mães, quando descobrimos que não soubemos administrar a maternidade como deveríamos.
Hoje, sei que meu filho sofre por ser normal, aquela normalidade que eu julguei ser o suficiente para ele crescer saudável e feliz, lhe trás sofrimento.
Acreditamos ser fácil e melhor, poder pegar apenas um documento e alguns trocados e sair pra se divertir com os amigos, acreditamos ser menos sofrido ter acesso a geladeira a qualquer hora, acreditamos que aquela liberdade toda trazida pela normalidade seja o suficiente para crescer e ser feliz, mas não é, são só crianças e por mais que entendam de diabetes e suas necessidades, sentem ciúmes, se sentem menos amados.
Eu acho que Diabetes é uma das piores doenças crônicas no contexto emocional, familiar e social, não há uma vitória permanente, todo dia é uma conquista e todo dia é dia de luta, e não vai acabar, o tempo passa, mudamos a maneira de lutar, mas o fantasma das sequelas está ali, sempre vai estar.
Acredito que estudos mais aprofundados devem ser feitos em relação a família do portador de diabetes e quais os reflexos nas relações afetivas entre irmãos e pais. Estes quase nunca são citados em consultas médicas, ou estão presentes nos cuidados, na maioria das vezes apagados na relação familiar.
Há de se convir que num primeiro momento, também existe a negação, acreditamos que estamos sendo boas o suficiente para ambos os filhos, mas pense em quantas vezes o filho com diabetes dorme na cama dos pais? Quantas vezes o filho não diabético deixa de sair por conta dos cuidados com o diabetes? Quantas vezes estamos preocupadas demais com as oscilações glicêmicas que não ouvimos uma reclamação ao chegar da escola? Quantas vezes achamos que baixo rendimento escolar é preguiça?
Não é para se culpar, é pra tentar recomeçar essa relação, se possível buscando ajuda profissional, pois não é fácil lidar com esses sentimentos, nós somos programadas para doar afeto aos filhos, sofremos com o lidar com o diabetes, nos cansamos, algumas vezes mandando o resto do mundo pro espaço, mas filhos foram programados para receber afeto, o mesmo afeto que os irmãos recebem, e devemos levar em consideração que eles não conhecem esse sentimento, adolescentes naturalmente tem dificuldade de lidar com as emoções própria da idade. Acredito que quando se trata de uma família estruturada, onde as relações são de afeto (digo o restante da familia, tios, avós, primos) esse impacto seja menor.
Meus filhos, tem igual importância, é como se cada um fosse  metade de mim, e se uma metade não está bem, eu não estou bem. Mas me preocupei tanto com uma metade que a outra sentiu os efeitos. É como na academia, se você fizer uma serie de perna, tem que ser o mesmo peso, intensidade e repetições para ambas as pernas, e assim eu sigo... Aprendendo sobre diabetes no contexto familiar.

segunda-feira, 17 de março de 2014

E eu não fui na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família.

"Temos de nos tornar na mudança que queremos ver."
(Mahatma Gandhi)


A IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família é um evento que valoriza as experiências cotidianas e estimula o protagonismo local dos milhares de trabalhadores, gestores e usuários da Atenção Básica do Brasil. Proporcionando espaços de intercâmbio de experiências, o encontro pretende contribuir com a reflexão e constante melhoria na produção do cuidado em saúde nos serviços que constituem o principal ponto de contato dos usuários com o Sistema Único de Saúde (SUS): a atenção básica!
Essa mostra aconteceu em Brasília dos dias 12 ao 15 do mês de março, e qual não foi a minha decepção ao saber que não participaria? Fiquei muito sentida, mas precisamos sacudir a poeira e reagir, eu queria saber  tudo que estava acontecendo por lá, queria participar, mas pra mim não dava.
Dentro da Mostra havia uma tenda chamada CiberespaSUS, a finalidade principal dessa tenda era a promoção de encontros e debates a partir do território virtual do SUS e a interface entre saúde e a internet. 
Foto: Comunidades de Práticas
(www.facebook.com/comunidadedepraticas)
 O que o SUS debateu? Projetos que deram certo, políticas públicas com resultados positivos, e reflexões sobre o que não deu certo, porque o que chega ao usuário final é o que conta. Não dá para mensurar a importância e os resultados de um evento como esse, gestores, profissionais de saúde, ativistas e usuários trocando experiências, mostrando seus trabalhos, e ao sair desta mostra, todos com uma visão mais ampla do que o SUS faz de norte a sul do país. E eu estava de fora disso...
Pra você que vê o SUS superficialmente, ou conhece apenas pelas reclamações nas redes sociais, pode não entender os meus sentimentos por ter ficado de fora, mas posso te dizer, que vale muito a pena conhecer o SUS que dá certo, o SUS que faz, o SUS que se preocupa com seus usuários.
É possível perceber que não é comum o dialogo com os gestores do SUS, os usuários não tem a pratica de ir ao Gestor, e por conta disso, os gestores não mantém ou não aperfeiçoam um canal para dialogo aberto, e é exatamente isso que está mudando e pode-se dizer que as Redes Sociais são um dos grandes responsáveis por isso.
Foto: Davi Carvalho (Facebook)
 Hoje é possível acessar diversos canais de comunicação com o SUS, o principal deles é o 136(OUVIDORIA DO SUS), e nas redes sociais diversas fanpages relacionadas.
Você tem a sensação de que não é ouvido? Que sua opinião é pouco importante? Não, a sua opinião é a mais importante na construção do SUS, se os projetos não chegam até a você,  se as políticas públicas de saúde não te beneficiam, há algo errado no meio do caminho e precisa ser identificado, mas se você se abstém do direito de comunicação com os gestores de saúde, nada se modifica.
Adorei essa frase de um painel na #IVmostra: "O SUS fica mais forte quando a gente pensa junto", e é isso gente, não podemos pensar no SUS como algo perfeito que tem que nos beneficiar de alguma maneira, precisamos pensar como algo que é construido diariamente com as percepções do usuário, com a participação ativa dos cidadãos.
Se eu não disser que não estou estou satisfeito, ninguém vai saber, compartilhar imagens, críticas, de repente pode até ter o poder de transformar algo, mas ali eu não estou comunicando aos gestores de que forma eu gostaria que fosse, eu não estou participando das modificações necessárias.
No primeiro dia de evento, a minha ansiedade era tanta que precisei me distrair, eu me distraio criando, e durante o dia nasceu uma ferramenta nova, o blog agora tem seu próprio aplicativo para celular, para quem acompanha o blog é so baixar no smartphone e ter acesso as nossas atualizações tanto do blog, quanto da Fanpage e canal no Youtube, o aplicativo conta também com um tabela de contagem de carboidratos em ordem alfabética, bem acessível a crianças, ao longo do tempo pretendemos melhorá-lo, mas esta é a versão disponível hoje:



Mas quem disse que eu fiquei totalmente de fora? A Rede HumanizaSUS (www.redehumanizasus.net) permitiu participação externa e pública aos seus seguidores com transmissões ao vivo dos debates, e eu pude assistir interagindo com pessoas que estavam presencialmente no evento, isso não é fantástico?
Deixo aqui o link dos debates, acho muito proveitoso a todos que querem conhecer melhor como está sendo a construção do SUS que queremos na area de comunicação virtual, em especial aos blogueiros e ativistas nas redes sociais.
O que em momento algum podemos esquecer é que a HUMANIZAÇÃO DO SUS DEPENDE DE NOSSA PARTICIPAÇÃO.


segunda-feira, 10 de março de 2014

Contribuição para a Consulta Publica nº 01/2014: Razões para incluir análogos de insulina no tratamento de Diabetes Mellitus tipo 1 pelo SUS.


Fiz minha pequena e humilde contribuição para esta consulta pública referente a incorporação de Análogos de Insulina no SUS,  minha inspiração ficou toda no Texto enviado, então quem quiser dar uma olhada aí vai o link:

https://docs.google.com/document/d/11hWnOhuNyA33hZrxSLL0cRq8Gf21QhI4CvfgIohR0AI/edit?usp=sharing

"A pesquisa inédita "Estudo multicêntrico de diabetes tipo 1 no Brasil", realizada durante dois anos com 3.591 pacientes de 28 cidades brasileiras, em cinco regiões, mostrou que apenas 15% dos diabéticos têm seu nível de glicemia (a taxa de açúcar no sangue) bem controlado. Destacou também que a baixa escolaridade dos pacientes, associada à baixa renda econômica familiar, entre um e cinco salários mínimos, da maioria dos entrevistados (77,4%) é uma barreira no controle adequado do diabetes e que cerca de 6% dos diabéticos tipo 1, ainda em idade produtiva estavam desempregados ou licenciados pelo INSS ou aposentados devido aos males da doença.
Diabetes mal controlado, não afeta apenas o orçamento do SUS, já tem seu reflexo na Previdência Social.
Se a necessidade de medicamentos pelo portador de diabetes é individualizada e diferenciada, que esta seja respeitada pelo SUS, e não seja mais um gerador de conflitos no controle da glicemia.
Peço pela incorporação de análogos de insulina através de Protocolo clinico a exemplo do Estado do Paraná e o Distrito Federal, e que prevaleçam os princípios do SUS, garantindo assim Universalidade, Integralidade e Equidade no enfrentamento a epidemia de Diabetes."

Por um SUS para Todos, sem a Judicialização da Saúde!