sábado, 13 de agosto de 2011

A mensagem de Washington e a doença de Ronaldo

A mensagem de Washington e a doença de Ronaldo Qui, 17 de Fevereiro de 2011

Este ano, o esporte brasileiro assistiu ao encerramento da carreira de duas de suas referências. Em janeiro, o jogador Washington Stecanela Cerqueira, e em fevereiro, o jogador Ronaldo. Em comum, ambos os eventos estiveram relacionados à presença de doenças endocrinológicas que de alguma maneira possam ter influenciado a decisão dos jogadores. De diferente, a mensagem que cada um deixou em relação ao problema do qual são portadores foi muito diferente.

Washington é portador de diabetes tipo 1 desde os 15 anos. De 2004 a 2010 jogou com 3 stents nas coronárias. O tratamento do diabetes tipo 1 inclui a administração de várias doses diárias de insulina, ajustes de doses de acordo com a medida de glicemia capilar (que o jogador também deve realizar várias vezes ao dia) e com a intensidade de atividade física que o jogador realizará.

É essencial controle rigoroso da dieta. Já a presença das obstruções coronárias que levaram a colocação dos stents, segundo o próprio jogador, quase encerraram sua carreira em 2003. O risco óbvio seria o de um infarto durante uma partida, ou mesmo um treino.

Ao encerrar a carreira, Ronaldo atribuiu suas dificuldades recentes em parte a um hipotireoidismo que não pode ser tratado adequadamente porque o tratamento é hormonal, e pode ser detectado no exame anti-doping. Nós médicos não entendemos a origem dessa informação.

O tratamento do hipotireoidismo consiste em ingerir hormonio tireoideano em dose fisiológica, ou seja, em repor o que não está sendo produzido pela glândula tireóide. Isso é feito através da tomada de um pequeno comprimido pela manhã em jejum, e regularmente realizar alguns exames para controle e se necessário ajuste de dose.

Definitivamente nada que se compare à complexidade do tratamento do Diabetes tipo 1. E, mais importante, a levo-tiroxina, tomada em dose fisiológica para o tratamento do hipotireoidismo absolutamente não consta das substâncias proibidas para atletas e identificadas nos exames anti-doping. Seria desinformação? Difícil acreditar nisso em se tratando de um atleta de ponta, com acesso aos mais renomados profissionais e aos mais recentes tratamentos.

O fato é que com essa informação equivocada Ronaldo prestou um desserviço. O hipotireoidismo é uma doença bastante prevalente. Sem dúvida existe um sem número de atletas profissionais que sofrem dessa doença, e são tratados, e não têm seu desempenho afetado por ela, como deve ser.

Washington é um lutador, e um vencedor. Sua trajetória rendeu-lhe o mais que apropriado codinome de “Coração Valente”. Sua história de superação é exemplo para todos os portadores de Diabetes tipo 1, em especial adolescentes, que possam sentir-se limitados pela doença na prática de atividades esportivas, principalmente de forma profissional.

Ronaldo é um lutador, e um vencedor. Seu desempenho nos gramados rendeu-lhe o mais que apropriado codinome de “Fenômeno”. Sua tajetória de conquistas é exemplo para todos os garotos que hoje sonham em ser jogadores profissionais. Seu histórico de recuperação de lesões certamente é estímulo para muitos atletas profissionais.

Enfim, encerrou-se não uma mais que brilhante e incomparável carreira. Justamente por isso sua declaração foi desnecessária, e pode levar a muitos portadores de hipotireoidismo a temerem dificuldades que não devem encontrar na prática esportiva, inclusive de forma profissional. Afinal de contas, podem pensar, se o Fenômeno sucumbiu, em parte devido ao hipotireoidismo, o que será dos que não são fenômenos. Pode ter plantado um medo de algo inexistente, que os portadores de hipotireoidismo não precisam ter.

Enquanto Washington fez os diabéticos acreditarem que podem mais, Ronaldo fez os hipotireoideos acreditarem que podem menos.

Dra. Ada Letícia B. Murro Médica Especialista em Endocrinologia e Metabologia pelo Conselho Federal de Medicina. Pós -graduação em Clínica Médica com concentração em Diabetes Mellitus no Departamento de Clínica Médica – UNICAMP

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